Na sua viagem a Nova Iorque para o juramento da carta das Nações Unidas por António Guterres, o seu amigo de há meio século, o Padre Vítor Melícias descreveu-o como “o Papa Francisco civil, amigo dos pobres e inimigo da pobreza, amigo da paz e inimigo da guerra… toda sua vida lutou por estas causas”. São palavras bonitas que um amigo emprega para aludir a um homem que o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, descrevera como ‘o melhor de todos nós’.
Portugal não é o mundo, mas, certamente, é a nossa ótica para ver o mundo. Como noutros anos, em 2016, aconteceram coisas menos boas na vida do país, em particular, nas arenas políticas e socioeconómicas. Contudo, o foco deste artigo são as influências, vantagens e desafios que a chefia do português António Guterres significa para Portugal e para as Nações Unidas.
Claro que este cargo não é para qualquer um. Por isso, o país inteiro está de parabéns através da Sua Excelência António Guterres. Ele orientou e reformou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados de 2005 a 2015, construindo assim uma reputação como um gerente eficaz na resposta às crises de deslocamento no Afeganistão, Iraque, República Centro-Africana, Síria, Sudão e não só- cabalmente testado e achado merecedor.
Já lá vão os tempos dos salários gordos – e, sem prejuízo aos esforços do governo em procurar a estabilização das dinâmicas/entidades empregadoras no país-; o que se vê é uma boa percentagem dos cidadãos a fixarem-se no salário mínimo nacional anos sem fim. Contudo, o custo de vida (as rendas, a alimentação, a educação dos filhos etc.) vai subindo.
Para fazer face às exigências da vida, muitos viram-se obrigados a recorrer às misericórdias, às paróquias e a outras instituições de cariz socio-caritativo. É comum julgarmos que os nossos pobres, os sem-abrigo ou as pessoas de baixo rendimento, vivem à custa do povo e que só recorrem a estas instituições por serem meramente preguiçosos. Pensamos muitas vezes que, se ao menos trabalhassem como nós, não estariam nessa situação. “Se eu trabalho mais para ter o que eu tenho, porque não o fazem os outros?” Quando nos aparecem com um bom carro ou gadgets de última geração, escarnecemos e zombamos deles.
Na qualidade de alguém que acompanha de perto pessoas nesta categoria, afirmo que as coisas nem sempre são tão lineares. É verdade que nem todos os casos são autênticos, mas se quisermos atenuar a situação, lutemos contra o sistema que cria e sustenta tal ordem na sociedade; e, nunca, contra estas pessoas. Se não somos amigos destes pobres, como é que poderemos ser amigos dos verdadeiramente mais pobres que desconhecemos?
É este o trabalho que o nosso concidadão tem nas mãos. Quem o conhece bem, padre Vítor, comprova que ele odeia a pobreza e ama os pobres. Ele vai poder invocar os poderes inerentes ao seu alto cargo para defender o pobre e pontificar na construção da paz à escala mundial.
Será uma influência portuguesa que passará a ter implicações em todos os países membros e não membros. Por sua vez, Portugal será a base de referência da avaliação positiva ou negativa do secretário-geral em exercício de funções nas Nações Unidas.
As vantagens são o reconhecimento e uma acrescida visibilidade da proeza portuguesa no comité das nações. É um contributo imenso da diplomacia portuguesa e será referenciado na medida em que o empossado estiver à altura, como é esperado, da sua responsabilidade.
Quanto aos desafios, pode dizer-se que ele herdou uma organização alvoroçada pelas perspetivas de Trumpismo. O presidente eleito dos EUA, Trump, muitas vezes na sua campanha fez referências desamáveis à ONU. Muitas das posições de Trump estão em conflito e em direta contradição com os valores e as posições assumidas pelas Nações Unidas, sejam elas as mudanças climáticas, os refugiados, o acordo nuclear Iraniano ou os direitos humanos.
Os EUA fornecem cerca de 22% do orçamento regular das Nações Unidas e 28% das suas operações de manutenção da paz. Supor que o Trump não vai cantar no mesmo coro com as Nações Unidas e que a nova administração de Washington não hesitará em usar e abusar da sua enorme força para pressionar o novo secretário-geral, quando sentir que o corpo mundial não segue seu caminho, não será uma presunção. “Eles não nos respeitam, eles não fazem o que queremos, e ainda assim os financiamos desproporcionalmente “, disse o Trump em Março do ano passado.
Os instintos geopolíticos de Trump, guiados por interesses e populismo e não por valores, serão um afastamento da importância que o governo cessante dos EUA tem dado à política externa multilateral. Tudo fica na incógnita, mas cremos que a força da vontade de António Guterres vai imperar!
Falar ou gostar de falar muito sobre a pobreza, fazer conferências, investigar e fazer dissertações sobre a pobreza sem odiá-la, equivale a amar a pobreza e odiar os pobres. Concluo com um provérbio de escritor do Império Romano, Vegécio Renato, “Assim quem deseja a paz, que prepare a guerra”. Quem odeia a pobreza, que ame os pobres.
Simon Ayogu