Celebrar a herança islâmica, a tolerância religiosa, a multiculturalidade, fomentar o convívio saudável de todos é a proposta do festival islâmico em Mértola. Acontece de dois em dois anos e já vai na decima edição. As ruas estreitas são transformadas em souk (mercado de rua), onde o branco das paredes contrasta com os panos coloridos que lhe dão sombra, tornando o centro histórico da vila ainda mais mágico do que é. Circulam mercadores, artesãos, artistas e visitantes. Um burburinho constante é pano de fundo: regateia-se, descobrem-se cores, cheiros, e um sem número de artigos que associamos ao medio oriente (especiarias, peles, óleo de argan). No souk vendem-se produtos locais e outros vindos de paragens mais ou menos distantes, como acontecia quando Mértola era um importante porto fluvial no qual chegavam e partiam produtos para todo o mediterrâneo.
O Festival Islâmico de Mértola vai muito alem do souk: exposição de instrumentos de corda do Médio Oriente, do Al-Andaluz e Magreb; oficinas de henna, ritual do chá, danças orientais, precursão, viola campaniça e colóquios. Gostaria de destacar o colóquio realizado por Luqman Nieto, representante da comunidade Islâmica em Espanha, que abordou de uma forma fluida e profunda os princípios do Islão, apresentando o ramadão como oportunidade de deixar de buscar fora meios de ocultar vazios, pela abstenção de fazer, como meio de maior conexão com a minha realidade mais profunda, de um Deus imanente. Sublinhou o amor como religião e fé… e o cuidado com a natureza, não a usando indevidamente (Maomé dava como exemplo a água para as oblações, que devia ser usada com contenção, mesmo que estivessem ao lado de um rio, e não devia tornar-se impura).
Ao longo dos dias, vários artistas, nomeadamente de danças orientais e cantares alentejanos, circulavam pelo souk e à noite decorriam os concertos no cais do Guadiana. Foi um festival cheio de boas experiências, possibilidade de encontro de culturas, gentes, olhares…
Os missionários espiritanos têm em Mértola uma comunidade, com dois sacerdotes: o Pe. Marques Sousa e Pe. Vitorino Domingues. A igreja Matriz está na cidade de Mértola, e têm 9 paróquias com diversos montes (aldeias) dispersos com as suas capelas. A desertificação e dispersão é um dos maiores problemas no trabalho pastoral. A catequese tem lugar na cidade, depois das aulas, com um número muito reduzido de crianças.
A igreja, que não costuma ter mais de uma dúzia de pessoas, estava cheia no fim de semana do festival islâmico, com pessoas oriundas da terra e turistas. Uma alegria para o sacerdote, com celebrações participativas e mais compostas. A Eucaristia, para além de celebração, é oportunidade de catequese, de despertares… O Pe Vitorino dizia que “se vir três homens na igreja em Mértola, um não é de cá”. No entanto, um grupo de cerca de 40 homens reúne-se quinzenalmente para almoçar e conversar. Convidam os sacerdotes, que são ainda desafiados a abençoar a comida. Assim se vão percorrendo caminhos de encontro.
Com o envelhecimento do interior do pais, o acompanhamento na hora da partida acaba por ocupar muito do trabalho dos missionários. Em 8 anos, o Pe. Sousa já fez mais de 800 funerais. Para o sacerdote, esses são momentos que lhe fazem bem porque são oportunidades para partilhar a experiência da fé na Ressurreição, que abre horizontes ao infinito.
Mértola foi ontem local de encontro, tolerância e permuta. Hoje, através do Festival Islâmico, é local de memoria e encontro renovado.