Encontrei-os numa garrafa de vinho. Do Douro, mais precisamente de Freixo de Numão. “Cor densa, aroma fresco e vivo, evidenciando notas duriensas das flores. Concentrado na boca com taninos a sobressair e um agradável final”, diz o rótulo e o palato confirma. Recomendo o tinto. O nome não tem que saber: no meio dos vinhedos uma calçada romana conduzia até ao rio Douro, por onde subiam e desciam os carros puxados por bois. Mas a calçada era muito estreita e quando os carros de bois que vinham se cruzavam com os que iam para o rio, como não conseguiam passar ao mesmo tempo começavam a escornar. (Dicionário: escornar é marrar, lutar com os cornos; cornos são os chifres que os bois têm na cabeça: reais, não alegóricos; dor de corno é outra coisa, não entra nesta crónica.)
Pousemos o copo e aprendamos com os bois. Uns que sobem e outros que querem descer, se o caminho é o mesmo e estreito o escornar é consequência.
Reencontrei-os no tempo das estradas digitais. Apesar de o caminho, cultura e pensamento serem cada vez mais únicos, o escornar deixou de ser consequência. Não porque os caminhos sejam vários, mas porque se desce em manada, e em manada se sobe. Quem se atreve a subir quando todos vêm a descer? Quem discorda quando se aplaude em uníssono e se condena a uma só voz? Quem contraria o pensamento dominante, mediático?
É claro que não é de vinho nem de bois que vos quero falar, mas antes do caminho. Foi olhando para as pedras da calçada, quando era romana, que me lembrei desse tempo, quando tudo começou. Antes de os seguidores de Jesus Cristo serem chamados de cristãos, eram conhecidos como seguidores do “Caminho” (At 9,2; 18,25.26). Mas o Caminho que seguiam era Jesus Cristo, não era a calçada romana.
Pousemos o copo e aprendamos com os bois. Uns que sobem e outros que querem descer, se o caminho é o mesmo e estreito o escornar é consequência.
“Crónica” é uma rubrica mensal do jornal “Ação Missionária“, pelo P. Aristides Neiva