É uma parábola que vem nos livros antigos. Nesses tempos esquecidos, os monges tinham por hábito construir os seus conventos nos ermos afastados do barulho do mundo. Sobretudo nas montanhas, onde só a natureza e os horizontes lavados lhes faziam companhia. Não era só para fugir ao mundo e à confusão da cidade. É certo que a teologia da fuga do mundo era cartilha corrente nessa época. Mas os antigos não se refugiavam nos ermos só para fugir ao mundo. Mais do que o que deixavam, motivava-os o que iam encontrar. No silêncio e na solidão, a presença de Deus era mais transparente. Os monges sentiam-no por ali e com Ele conviviam. Era essa presença que tanto os fazia cantar a todas as horas como viver em silêncio o dia todo. Era um silêncio que falava mais que todas as palavras.
Ora aconteceu que um belo dia, um peregrino cansado dos negócios e da confusão da cidade, tomou o seu alforge e o seu bordão e lá vai ele bater às portas de um desses oásis na montanha. Queria fazer a experiência do silêncio e da solidão.
O primeiro monge que encontrou estava junto de um poço a tirar água para o convento. Não procurou segundo, e logo ali o peregrino perguntou ao monge que é que se aprendia com a solidão e o silêncio.
O monge lançou o balde ao poço e respondeu ao peregrino:
– Olha para o fundo do poço. Que é que vês lá dentro?
O homem debruçou-se sobre o poço, olhou para dentro e respondeu:
– Não vejo nada; só a água a mexer-se.
O monge mandou-o esperar algum tempo, esperou que a água acalmasse e disse ao ao peregrino
– Olha agora. Que é que vês no fundo do poço?
– Ah! Respondeu o peregrino, agora vejo-me a mim próprio, reflectido na água.
O monge concluiu:
– Pois é. Quando se mergulha o balde, a água fica agitada e nada se vê. Mas quando a água está tranquila, tu vês-te a ti mesmo. É esta a experiência do silêncio: no silêncio e na calma o homem vê-se a si mesmo.
Eu penso que um dos valores mais afetados por esta viragem conciliar foi a perda do silêncio. As Novas Constituições dos nossos institutos ainda falam dele. Já não do “grande silêncio” dos tempos antigos, mas de certos espaços da comunidade reservados ao silêncio e à intimidade da comunidade. Mas a verdade é que ninguém o toma a sério. Estamos ainda muito na onda de outros valores que o Concílio nos fez descobrir como os da comunicação e da palavra. São talvez os leigos que nos estão a ajudar a redescobrir os tempos e os lugares de silêncio. Não é verdade que os ermitérios e as casas de oração estão a recuperar o seu espaço um pouco por toda a parte?