Ainda recentemente voltou a acontecer. Num jornal leio que o autor de um mediático assalto não passava de um “pilha-galinhas”, querendo-se dessa forma menorizar o assaltante. Esta desvalorização das galinhas entristece-me. Como se roubar galinhas exigisse menos inteligência ou menos ousadia que roubar computadores ou o lucro das empresas. Ou como se os proprietários das galinhas fossem menos dignos que os donos dos bancos ou das entidades onde se trabalha com computadores. Chega de discriminação das galinhas (e dos galos)!
Poucos reconhecem e elogiam a galinha. E, no entanto, Nosso Senhor recorreu ao exemplo da galinha para explicar a sua própria missão: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os seus pintainhos debaixo das asas, e tu não quisestes!” (Lc 13,34). Para que conste, também usou a comparação da raposa, mas para falar de Herodes, que o queria matar.
Vários mestres da espiritualidade, mas não muitos, olharam para o texto bíblico e reforçaram a analogia, destacando que a galinha parece ser a ave que cuida dos filhotes com mais amor; que é um símbolo de fecundidade, pois quase todos os dias põe um ovo; exemplo de vigilância, especialmente em relação aos filhos, a quem reúne e protege dos perigos. Está bem de ver que temos muito a aprender com ela, não a desprezem, nem reservem os elogios só para as receitas de culinária! Para meu conforto, informam-me que agora há um “Dia internacional do respeito pelas galinhas”, a 4 de maio. Menos mal, já não era sem tempo!
Voltemos ao evangelho. É sintomático que Jesus tenha falado da galinha depois que chamou raposa a Herodes. O contraste não podia ser maior. A raposa é covarde, é matreira, só enfrenta criaturas indefesas. Já o Antigo Testamento alertara para o mal das raposas (Ct 2,15) e comparara os falsos profetas a “raposas entre ruínas” (Ez 13,4). Por seu lado, a galinha é símbolo de cuidado, segurança, proteção: “Ele te cobrirá com as suas penas; debaixo das suas asas encontrarás refúgio (Sl 91,4). Por isso não se compreende que uma cultura marcada pelos valores do cristianismo despreze desta forma quem na Sagrada Escritura só recebe elogios.
A raposa e a galinha não retratam só a situação evangélica narrada em Mateus (Mt 23,37-39) e Lucas (cf. Lc 13,31-35). Ela revela como e a quem reverenciamos ou desprezamos hoje. A liturgia faz-nos escutar esse texto no último dia de outubro, estai atentos.
A raposa e a galinha não retratam só a situação evangélica narrada em Mateus e Lucas. Ela revela como e a quem reverenciamos ou desprezamos hoje.
“Crónica” é uma rubrica mensal do jornal “Ação Missionária“, pelo P. Aristides Neiva