“Nu sta djunto!”
VOLUNTARIADO MISSIONÁRIO EM CABO VERDE
A Juliana e o André conheceram-se há 10 anos. Com o namoro entre os dois, começou também um outro “namoro” com a missão. “Deram o nó” em 2018, e, durante a lua-de-mel no Vietname, no coração da Ásia, nasceu o sonho de partirem os dois em missão, para onde fosse preciso. Depois de um ano de discernimento e formação, foram enviados para Cabo Verde, num ano de voluntariado missionário. Em São Lourenço dos Órgãos, na ilha de Santiago, enriqueceram a família missionária que ali trabalha, com os padres espiritanos Alberto Meireles e Raul Lima, e com as animadoras missionárias. Na hora do regresso, partilham com os nossos leitores a sua experiência
Juliana Castro e André Alves
Escrevemos a partir de África, somos europeus e decidimos partir em Missão enquanto estávamos na Ásia. A Missão realmente não conhece fronteiras.
Namoro missionário
Foi há aproximadamente 10 anos que nos conhecemos. Estávamos na faculdade e começámos a namorar pouco tempo depois.
Passados alguns meses o André foi para Kalandula, Angola com o Projeto Ponte 2011 dos Jovens Sem Fronteiras. Já nesta altura conversávamos sobre um dia fazermos voluntariado, uma vez que a Juliana também sempre teve este sonho – “desde pequena que me lembro dos meus pais falarem sobre esta possibilidade, mas nunca tiveram oportunidade”. Assim, a ideia de partir esteve presente desde o início do nosso relacionamento… por vezes mais ativa, outras vezes nem tanto, mas a fé e o querer comum acabaram por prevalecer – porque a Missão também é isto: uma vontade que semeamos, alimentamos e deixamos germinar, por vezes inconscientemente e sem notar o seu crescimento, até chegar à hora da colheita.
Em 2018, num belo dia de Primavera, demos mais um passo nesta caminhada. Casámos a 26 de Maio e, na nossa lua-de-mel no Vietname, começámos a refletir na próxima etapa do nosso projeto comum. Assim, este desejo que há muito sentíamos ganhou forma e por isso contactámos os Missionários do Espírito Santo para conversar sobre a nossa vontade de partir em Voluntariado Missionário. Uma maneira de tornar as coisas mais reais é escrever sobre elas. Nesse sentido, passámos para o papel as nossas motivações e expectativas. Para além disso, comprometemo-nos a fazer formação com a equipa do Voluntariado Missionário Espiritano (VME) e com a Fundação Fé e Cooperação (FEC). Iniciámos assim mais concretamente este trajeto.
Ao longo de vários meses viajámos entre Londres, cidade onde vivíamos, e Portugal, de modo a participar nas formações e atividade prática com a FEC e o retiro com o VME.
Um dos principais objetivos destas formações passou pela sensibilização para as diferentes realidades que poderíamos encontrar, a importância da vida e integração na comunidade, imprimir um verdadeiro espírito de missão e ter o coração aberto ao povo que nos acolhe.
Para além dos vários temas abordados nas sessões, tivemos também a oportunidade de ouvir os testemunhos de vários voluntários de diferentes movimentos missionários, algo que nos ajudou a conhecer mais objetivamente exemplos diversos da Missão.
Nestes encontros conhecemos muitas pessoas com quem partilhámos este desejo tão forte de querer partir, de querer ajudar os outros, de querer dar mais, ser mais… diferentes motivações, mas todos com o mesmo objetivo – partir em Missão! Aprendemos muito e crescemos juntos.
Sempre que acabava uma formação regressávamos a Londres e contávamos os dias para voltar à sessão seguinte, voltar a rever as pessoas com quem estávamos a partilhar esta fase de preparação tão importante.
Entretanto tivemos o retiro com o VME, uma oportunidade essencial para aprofundar a nossa fé e renovar a nossa ligação com Cristo. Foi também nesse momento que recebemos a confirmação – a nossa Missão tornava-se “oficial” – sabíamos assim que mais tarde ou mais cedo iríamos partir e embora não soubéssemos para onde. Passou a ser uma questão de “quando” e não “se”.
A formação com a FEC terminou com a atividade prática na Casa de Saúde da Idanha, dias realmente muito especiais – foi a cereja no topo do bolo deste percurso de formação – fez-nos sair da nossa zona de conforto, viver em comunidade e mais importante sentir a Missão. Ao terminar esses dias recebemos a visita do P. Victor Silva e assim ficámos a conhecer o nosso destino missionário: Cabo Verde!
Destino: Cabo Verde
Tinha passado um pouco mais de um ano desde o momento em que pensámos mais a sério neste projeto, tínhamos conhecido muitas pessoas, partilhado experiências, sonhos e esperanças… foi por isso também especial quando pudemos dividir com elas esta alegria. Este era um caminho que tínhamos começado a dois, mas agora sentíamos que éramos muitos mais e caminhávamos lado a lado.
A partir dali foi sempre a correr… Em três meses preparámos a nossa vinda para Cabo Verde, tratamos de todas as burocracias, saímos de Londres, matámos saudades de Portugal e embarcámos neste desafio.
A 22 de Outubro de 2019 aterrámos em Santiago, era já noite e fomos recebidos pelo P. Raúl Lima no aeroporto da Praia. Ao chegar à nova casa na Paróquia de São Lourenço dos Órgãos, conhecemos a Cácá e a Edite, que carinhosamente tinham pão quente à nossa espera. No dia seguinte amanhecemos para, pela primeira vez, olhar a terra que nos acolhia por um ano, tinha caído uma “brufinha” (chuva miudinha) recentemente e as encostas ainda estavam verdes, apesar da seca que se prolonga nos últimos anos. Conhecemos também o P. Alberto Meireles, que está nesta Missão há cerca de 50 anos, e as Animadoras Missionárias, Domingas, Lena e Fernanda.
“Morabeza”
Fomos recebidos com imensa ternura, um sorriso no rosto e um “cheiro” característico a “morabeza”… A semana inicial foi dedicada a visitar a Ilha Santiago e as diferentes Paróquias Espiritanas. Nas Celebrações Eucarísticas fomos apresentados à comunidade dos diversos lugares que nos acolheram de braços abertos. Ali vimos pela primeira vez algumas das personagens que se tornariam familiares ao longo desta história de amizade e missão.
É engraçado agora recordar aqueles momentos em que tudo parecia tão novo e por vezes tão surreal. É ainda mais engraçado perceber que, neste momento, ao imaginar-nos noutro lugar sentimo-nos exatamente da mesma maneira. São Lourenço dos Órgãos tornou-se, talvez sem nos apercebermos, o nosso lar…
Não foi difícil adaptarmo-nos ao dia-a-dia Cabo-verdiano, acordar cedo quando é fresco e modelar o nosso trabalho pelo sol. Rapidamente nos integrámos nas atividades da comunidade e fomos, passo a passo, encontrando o nosso lugar. O Jardim Marilúcia tomou alegremente as nossas manhãs, as tardes ficaram ocupadas com as aulas de Inglês e ao fim-de-semana encontramos os jovens que se preparam para o Crisma.
Com os mais pequeninos
O Jardim Marilúcia nasceu há cerca de 30 anos, fruto da dedicação e cooperação das Animadoras Missionárias e dos seus cooperadores espalhados pelo mundo. Atualmente apoia 50 crianças mais carenciadas, entre os 3 e os 6 anos de idade. O Jardim funciona da parte da manhã, das 8h as 12h, onde as crianças têm tempo para aprender, brincar, cantar e, não menos importante, uma refeição quente e “sabi propi”. Para além das aprendizagens habituais nesta idade são também abordados ideais importantes como a solidariedade, a partilha, a fraternidade e o amor ao próximo.
É um orgulho para nós fazer parte desta equipa e saber que pudemos contribuir para que estes meninos e meninas cresçam e abracem o mundo, “crianças de hoje, Homens do amanhã”.
Recentemente tivemos a Festa de Finalistas das crianças do segundo ano, foi uma festa diferente dos anos anteriores devido à pandemia em que atualmente todos nos encontramos. No entanto, não deixou de ser um dia memorável, repleto de momentos felizes e sorrisos abertos. Muitos dos nossos meninos seguirão para escolas diferentes, alguns talvez não se encontrem tão cedo, mas sabemos que este dia ficará gravado na memória de todos – crianças, pais e professores. Afinal elas são “as crianças Finalistas do Jardim Marilúcia”, e isso é algo de muito importante!
Capacitação e formação
Parte do nosso trabalho na Missão é também dedicado ao ensino da Língua Inglesa a crianças, jovens e adultos na Paróquia de São Lourenço dos Órgãos e na Paróquia de Santiago Maior.
Começámos com cerca de 50 alunos em cada uma destas duas paróquias, todos bastante empenhados e com imensa vontade de aprender dos mais pequenotes com 6 anos até aos mais graúdos com 60 e muitos. Alguns dos formandos tiveram inglês durante a escola, mas para muitos outros foi o primeiro contacto com esta língua estrangeira, por isso foi também para nós um grande desafio. Tivemos de moldar os métodos de ensino e as matérias de acordo com as necessidades de cada um.
Mais tarde, as aulas presenciais foram suspensas devido à COVID-19, porém nós não parámos e adaptamo-nos a esta situação, começando a enviar exercícios por e-mail.
Entretanto as aulas presenciais nos Órgãos recomeçaram ao ar livre, com todas as medidas de higienização e distanciamento social. Neste momento, temos menos alunos, uma vez que nem todos têm a possibilidade de comparecer, devido a se encontrarem noutras ilhas ou pela falta de transporte para se deslocarem e assim sendo continuamos em simultâneo as aulas por e-mail.
Um dos projetos com quem colaboramos é o Centro de Capacitação e Formação dos Órgãos, onde apoiamos o curso de Atendimento ao Público, lecionando Inglês Técnico entre outras disciplinas na área de Hotelaria, uma vez que esta é a nossa área de formação e experiência profissional. É muito interessante para nós poder partilhar o nosso conhecimento e ajudar a preparar este grupo de 30 alunos para a sua entrada no mundo do trabalho.
André Matias, com as crianças no jardim Marilúcia
Festa de Finalistas, no jardim Marilúcia
Colaborando na apanha do espinafre
Aulas de inglês, em tempo de pandemia
Ação Pastoral
Desde o início da pandemia que as atividades de culto estão suspensas, apenas as Missas regressaram com as devidas medidas de segurança. Normalmente a Paróquia de São Lourenço dos Órgãos tinha 3 Celebrações por fim-de-semana, agora este número duplicou e estas estão espalhadas pelos diferentes lugares, algumas delas ao ar livre. Esta medida permitiu reduzir as deslocações e o número de paroquianos em cada Missa.
Esta situação causou um grande impacto na nossa Paróquia que tem um largo número de grupos pastorais, entre catequese, Ação Católica, Apostolado de Oração, Casais de Nossa Senhora etc., que neste momento estão parados. Para nós isto significou também a interrupção das formações para o Crisma.
Aos fins-de-semana, durante aproximadamente 5 meses, acompanhámos cerca de 200 jovens, divididos em 3 grupos, na sua caminhada para o Crisma. Foi desafiante para nós este trabalho pastoral e permitiu-nos também aprofundar o nosso conhecimento e construir pontes com a cultura juvenil Cabo-verdiana. Nem sempre foi fácil, mas sentimos que foi bastante produtivo tanto para nós, como para os nossos jovens, com os quais conseguimos desenvolver diálogos sobre realidades diferentes e as várias formas como as podemos encarar enquanto Cristãos.
Estamos confiantes que, embora não tenhamos terminado este percurso juntos, estes jovens vão seguir este caminho, confirmar a sua fé e continuar uma “Igreja em Saída”.
Comunidade missionária
A quarentena deu-nos a oportunidade de desenvolver ainda mais o relacionamento com a nossa Comunidade Missionária. Desde o primeiro dia que nos fizeram sentir em casa e parte da família. Ao longo deste ano partilhamos todas as refeições, momentos de oração e momentos de maior relaxamento. Ao todo somos 9, e nestes meses de confinamento convivemos bastante, pois pudemos trocar experiências e conhecermo-nos melhor. Ensinamos inglês, participamos na apanha do espinafre e das mangas, ensinaram-nos a cozinhar filhós de banana entre outras atividades, e principalmente aprendemos com eles “tchéu” sobre a cultura e sociedade Cabo-verdiana.
Neste país que nos acolhe, tivemos a felicidade de conhecer muitas pessoas, algumas com certeza que já nos marcaram para o resto da vida, não só os membros da nossa comunidade, mas também outras que se foram cruzando no nosso caminho. Igualmente especial foi poder celebrar cá as épocas festivas, como o Natal, alguns casamentos, Nossa Senhora de Lourdes e a Páscoa (já em confinamento). Estamos ansiosos por poder participar na Festa de São Lourenço, nosso Padroeiro, que se aproxima. Será naturalmente diferente do habitual, mas, sem qualquer dúvida, única como as gentes desta terra.
Entre milhares de sorrisos e algumas lágrimas, no íntimo do nosso coração e sempre junto da nossa Família Missionária, vamos continuar lado a lado e de braços abertos, com força, alegria e muita fé neste caminho. Estamos muito gratos e de coração cheio por poder viver esta Missão.
“Nu sta djunto!”