Não me refiro ao apóstolo que já nos vale há dois mil anos! Refiro-me a S. Bartolomeu dos Mártires (1514-1590) a quem o Papa Francisco acaba de canonizar sem exigir milagre, pois o grande milagre da sua vida é o rasto de inspiração que nos deixa e empurra para um estilo de vida cristã simples e próxima dos mais pobres.
A vida e missão episcopal de S. Bartolomeu inspira muitas das opções e orientações que o Papa Francisco tem proposto à Igreja e ao mundo. Comecemos pelo seu olhar cirúrgico da Igreja do seu tempo: percebe-a neste navegar em águas agitadas, após uma reforma protestante que tinha posta a Igreja católica à deriva e a Europa em guerra. Ele vai à 2ª sessão do Concílio de Trento (1561-1563) e é um dos defensores abertos e declarados de uma profunda reforma da Igreja católica, pois – segundo ele – a hierarquia deve optar por um estilo de vida mais simples. D. Jorge Ortiga, seu sucessor como Arcebispo de Braga, diz-se marcado pelo novo Santo: ’tal como no século XVI, vivemos hoje uma situação de crise, debilidades e fraquezas que importa olhar de frente, encarar nos seus contornos e discernir o que devemos fazer para encontrar atitudes novas e responder aos desafios que se colocam’.
Os tempos de S. Bartolomeu eram difíceis e, por isso mesmo, desafiantes. Tornava-se urgente descobrir profetas que rasgassem caminhos de futuro. A credibilidade da Igreja estava em causa. Tornava-se fundamental e decisivo formar melhor os padres e os leigos. Mas, sobretudo, era necessário redescobrir a simplicidade do Evangelho e voltar ao espírito de vida simples e pobre que caracterizou a missão das primeiras comunidades cristãs. E S. Bartolomeu encarnava bem este desejo de mudança, ao estilo de Cristo e das Suas propostas gravadas nas páginas dos Evangelhos.
Como Bispo, percorreu o vasto território da Diocese de Braga de então (incluía também Viana, parte do Porto, Vila Real e Bragança…). Não era bispo de ficar por causa fechado no seu palácio a debitar leis para padres e fiéis cumprir. Não! Era homem do terreno, gostava de ‘cheirar às suas ovelhas’, fazia longas visitas pastorais, conhecia como ninguém o povo que lhe estava confiado. E sabia que os pobres abundavam. Por isso, vivia com muita pobreza e austeridade, partilhando tudo o que podia com os mais necessitados. Era o pai dos pobres daquela terra naquele tempo. Está escrito que, no período da grande peste, ele próprio saía à rua para socorrer as vítimas, correndo o risco de ser contaminado.
Durante anos, às terças feiras, celebrei Missa na Basílica dos Mártires em Lisboa, na paróquia e freguesia que viu nascer este santo. Lá está, bem visível, um grande quadro com a foto do Frei que dali rumou aos dominicanos, sendo depois Arcebispo de Braga. Celebrar ali e olhar para o seu rosto também marcou a minha vida de padre.
Em tempos de crise como o dele e o nosso, fazem falta figuras que surjam como luzes no meio de trevas e sombras. Ontem como hoje, a Igreja e o mundo precisam de profetas, gente simples e desprendida que saiba apostar no essencial: a salvação! Sim, uma salvação que também ajude a combater pobrezas e misérias humanas, que mantêm nas periferias e margens da história milhões e milhões de pessoas.
Valha-nos e inspire-nos S. Bartolomeu!